O que leva um cirurgião plástico a estar no seleto panteão dos melhores do mundo? “Técnica, um senso aprimorado de estética e, não menos importante, um olhar humano sobre o paciente”, responde Marcelo Araújo, plástico de fama internacional e um dos mais requisitados por pacientes daqui e de fora, por seus resultados clinicamente perfeitos e esteticamente impecáveis.
As influências, ele conta à Bazaar, vieram do pai, médico anestesista que o inspirou a seguir a profissão, e da mãe, estilista, desde muito cedo envolvida com moda, dona de um apuro estético bem acima da média, e apaixonada por arte. O lado espiritual foi abastecido por ninguém menos do que Chico Xavier, conterrâneo com quem teve a oportunidade de conviver em Uberaba, cidade mineira onde nasceu.
Já a técnica, veio da melhor escola possível: Marcelo Araújo é um dos poucos discípulos diretos de Ivo Pitanguy, com quem trabalhou lado a lado por anos na clínica do famoso cirurgião no Rio de Janeiro. Nesta entrevista, ele nos fala sobre os avanços da plástica, o que o futuro nos reserva e por que a cirurgia estética, para muito além de mera vaidade, está na base de uma vida saudável em todos os aspectos. E traz consigo o bônus de um ativo valiosíssimo (especialmente em tempos de mídias sociais): a autoestima, como você lê nesta entrevista:
Harper’s Bazaar – Que análise o senhor faz da cirurgia plástica atualmente?
Marcelo Araújo – Antes de falar da cirurgia plástica, é fundamental falarmos dos procedimentos não invasivos. Nos últimos 20 anos, as técnicas não cirúrgicas melhoraram muito. Quando iniciei a minha carreira, não existia Botox, lasers, nada. Nessas duas décadas, surgiram muitas tecnologias diferentes. O primeiro aparelho de laser que chegou na clínica do Pitanguy, comparado aos que temos agora, era um horror. Eram dois, três meses de recuperação, queimava demais a pele. Hoje, o próprio laser de CO2, considerado um dos mais agressivos, estimula colágeno com um dano térmico na pele muito menor. E surgiram outros como ultrassom microfocado para atuar mais na profundidade, o microagulhamento, a radiofrequência… Tem até um novo aparelho, chamado micro coring, que faz micro buraquinhos na pele para ela se retrair. São mínimos a ponto de não haver cicatrizes, mas que resultam em uma retirada de pele relativamente grande. E o que isso tem a ver com a plástica? Hoje, a paciente chega para mim com uma qualidade de pele muito boa, o que torna os procedimentos menos extensos, com melhores resultados e recuperação mais rápida.
HB – É o ponto de encontro ente a dermatologia e a cirurgia plástica?
MA – Exatamente. Essa evolução não cirúrgica melhorou o resultado da cirurgia também. Essas pacientes chegam com uma pele boa, bem tratada, sem manchas, poucos poros, menos linhas. A plástica hoje tem cicatrizes menores, está bem menos traumática. Tem menos descolamento de pele, menos cicatrizes, melhor recuperação e resultado final melhor do que há 15, 20 anos. Se no passado falávamos em cinco anos de duração da plástica, hoje falamos de dez a 15 anos. E, claro, isso atrai ainda mais pacientes. Atendo mulheres de 40 anos, que fazem minilifting, e pacientes de 80 anos. Mas diria que a maioria faz a primeira plástica entre os 50 e os 55 anos. E muitas delas me dizem no consultório que estão mais felizes hoje do que aos 20, 30 anos. Vamos nos despindo de julgamentos e ansiedades excessivas que temos quando jovens. Eu brinco que é uma pena que a juventude seja desperdiçada com os jovens (risos).
overlay-clevercloseLogo
HB – Os 50 anos são o momento da virada de chave, em que ela percebe que os tratamentos em consultório não são suficientes?
MA – Ela começa a pensar em cirurgia quando passa a ver a queda, a flacidez, que em geral começa do canto da boca para baixo, o famoso bigode chinês, ou no pescoço. Quando começa a surgir a flacidez, os aparelhos não resolvem mais. É o momento que a cirurgia pode ajudar. Falo que a principal vantagem da cirurgia é devolver o contorno, porque ela realmente é o tratamento mais eficiente para devolver ângulo, a linha da mandíbula, elevar as maçãs do rosto e o canto da boca. Hoje em dia, o objetivo é modelar a parte interna, devolver ângulo e contorno e só retirar o pequeno excesso de pele que essa elevação vai dar. A ideia em nenhum momento da cirurgia é forçar essa pele, puxar demais, como era feito no passado. Isso melhora ainda a qualidade da cicatriz. Porque o maior inimigo da cicatriz em qualquer cirurgia é o excesso de tensão na pele. Se você não força demais e tem o suporte interno da musculatura, é quase certeza que essa cicatriz vai desaparecer em seis meses. É por isso que, quando as cicatrizes diminuíram e começaram a desaparecer, a procura pela cirurgia da face passou a aumentar entre os homens. Depois dos 50 anos, eles perdem cabelo e não têm como disfarçar as marcas. Na minha prática diária, os homens já são 25% das cirurgias de rosto.
HB – Hoje fala-se muito da técnica deep plane, que ao focar no reposicionamento da musculatura e não apenas na pele, deixa resultados mais naturais.
MA – Como em todas as áreas profissionais, e não só na medicina, existem certos modismos. E a maneira de tratar a musculatura, de elevar e dar contorno no rosto, deve ser diferente em cada um. Existem diferentes formatos de rosto: a pessoa pode ter rosto fino, longo, oval, redondo e não é possível que uma técnica sirva para todos esses rostos. O mesmo vale para a cirurgia de nariz. Não existe um formato para todo mundo. Existem talvez 8 a 10 técnicas diferentes de tratar a musculatura do rosto. O deep plane é só uma delas, e não é boa para todo mundo. Aí o olhar e a sensibilidade estética do cirurgião são muito importantes. Que formato adequar para aquele tipo de rosto? Sempre falo que a parte técnica é um detalhe. O outro é a sensibilidade estética. O que vai embelezar aquele rosto, deixá-lo natural, é a proporção que você deu a ele.
HB – Existe essa proporção ideal, quase matemática?
MA – Todos nós temos um ângulo entre a face e o pescoço. Pode ser agudo ou mais suave. Se a pessoa tem um rosto um pouco mais redondo, não se pode dar um ângulo de 90 graus porque não vai ficar natural. Ele é mais bonito no rosto mais fino e longo. Fica uma divisão muito nítida entre as duas coisas. Outro detalhe é quanto elevar a maçã do rosto. Muito volume fica artificial. A gente tem que usar estratégias que permitam essa variação entre técnicas. Tem que selecionar bem para cada caso. E essa é uma parte muito importante na formação do cirurgião. Em geral, ele começa usando um tipo de técnica só. Mas tem que ter no arsenal várias técnicas e à medida que vai se aperfeiçoando vai acrescentando detalhes neste arsenal. Outra coisa que muda muito na decisão do cirurgião é a década de vida da paciente. O nível de envelhecimento é muito diferente, a quantidade de perda óssea, de volume e musculatura atrofiada variam com a idade. As mais velhas precisam de técnicas que deem mais volume e as mais jovens, ao contrário, precisam de mais naturalidade e menos volume.
HB – É possível combinar a cirurgia com injeções de preenchimento no mesmo procedimento?
MA – Sim, e eu digo que o melhor preenchimento que existe é a gordura do paciente. É a sua própria célula com seu próprio código genético, então não há chance de rejeição e inflamação tardia como acontece com alguns tipos de preenchedores sintéticos. E a gordura, em geral, quando ela sobrevive no novo ambiente, que pode ser por exemplo da coxa para o rosto, dura de seis a oito anos, enquanto o sintético dura em geral de um a dois anos. Mas vale uma ressalva aqui: mesmo sendo da própria gordura, o preenchimento não deve ser feito em volume exagerado.
HB – Há ainda muitos exageros em preenchimentos faciais…
MA – Quando os preenchedores começaram a surgir, a ideia era usar em poucas quantidades e é dessa forma que eles ainda funcionam muito bem. Nos últimos cinco anos, observamos o fenômeno do exagero e das faces super preenchidas. Quando a gente passa do ponto com preenchedor, perde os contornos, o rosto fica mais redondo, e é o que está acontecendo com muitas pacientes. Acaba pesando na pele. Funciona quase como um expansor e, no final, piora a flacidez. Tudo o que é exagero é ruim, mas a história tende a corrigir esses excessos. Veja na moda: a tendência das modelos muito magras, com aspecto até envelhecido, foi logo corrigida. Hoje tenho pacientes por volta de 50 anos que fazem o caminho contrário. Querem opções que durem mais tempo e que evitem colocar muita coisa no rosto. Muitas vezes, a paciente quer parecer mais jovem e não é o que acontece, fica aquele aspecto indefinido. Aí sempre lembro aquela frase clássica: “a elegância é a beleza que não se nota”. Isso serve para os procedimentos estéticos e para os cirúrgicos, porque a cirurgia perfeita é aquela que não se nota.
HB – Já ouvi mulheres criticando a plástica de outras justamente por dizerem que não se nota a diferença!
MA – O maior elogio da cirurgia de face é quando as pessoas notam que você está bem, mas não sabem exatamente o que é: se está descansada, fez tratamento, emagreceu. Para chegar nesse ponto, sugiro às minhas pacientes que tenham um dermatologista de confiança que as acompanhe sobretudo nas chamadas fases de transição, quando ela passa de uma década para a outra. Em uma pele bem tratada, os resultados são sempre mais sutis.
HB – A cirurgia vai deixar de existir em algum momento, com o avanço das tecnologias?
MA – Essa é uma pergunta que sempre ouço. Mas, ao longo desses últimos 25 anos, ao contrário, a cirurgia de face aumentou. Quanto menor a cirurgia fica, e quanto menores as cicatrizes, maior o número de pacientes que opero. As pesquisas com células-tronco que podem regenerar tecidos, como a pele, está avançando a passos largos e, se em algum momento, com a evolução dessa terapia celular, desenvolvermos uma nova técnica de retração da pele, a cirurgia pode vir a ser endoscópica. Acho que existe espaço para, no futuro, diminuir ainda mais a cicatriz da pele, deixando-a quase imperceptível. Além disso, será possível trabalhar em locais da face que não podemos hoje por causa da cicatriz aparente.
HB – A terapia celular já é uma realidade?
MA – Na Rússia e na Suíça já são aprovados tratamentos clínicos com células-tronco, não só para a pele, mas para a prevenção de envelhecimento. Há clínicas suíças em que as pessoas se internam só para isso, mas no Brasil e nos Estados Unidos ainda não é liberado para a prática clínica. O grande ponto ainda é evitar o crescimento descontrolado dessas células que pode evoluir para tumores, precisamos saber como ativar e desativá-las. Se pensarmos, por exemplo, em novos modelos de implantes mamários, acredito que no futuro não vão mais existir materiais sintéticos, teremos um molde absorvível no formato que eu queria para aquele implante, e as células-tronco irão crescer ao redor desse molde, formando novo tecido. Muito embora, nos últimos dois anos, eu tenha feito muito mais redução mamária do que cirurgia de implante. O explante da prótese de silicone é possível desde que a paciente tenha tecido mamário remanescente para dar uma forma bonita. É muito bonito de ver como as transformações são rápidas. Em cinco anos ou menos, um médico hoje está completamente desatualizado, se não estiver constantemente estudando e pesquisando.
HB – Em tempos de mídias sociais e comparações inevitáveis com a beleza irreal, qual o papel do plástico?
MA – A melhor definição de cirurgia plástica, na minha opinião, é a de tirar um desconforto do paciente. Ensino muito isso aos meus residentes e aos que estão começando. É uma definição muito verdadeira que serve para toda a área reparadora, que tem uma função de integração social do indivíduo muito forte. Quando você tira o desconforto de um paciente queimado por uma cicatriz evidente que ele tem, ou algo que traga um prejuízo funcional, você tira dele um desconforto. O nível de descontentamento ou desconforto do paciente não tem relação com o tamanho da deformidade e o médico deve ser desprovido desse preconceito. Um pequeno ossinho no nariz ou um pequeno aumento da mama em um menino pode ser totalmente incapacitante do ponto de vista do convívio social. Assim como uma pessoa pode ter uma deformidade estética bastante evidente e não se incomodar com aquilo, ter uma vida completamente normal. No entanto, a deformidade pode ser pequena, mas ela tem que existir. Qual o sinal de alerta? Quando a paciente relata algo que eu não consigo enxergar. Aí ela pode ter realmente um distúrbio de imagem, muito comum nessa era das selfies e dos ideais de beleza das mídias sociais. Em torno de 15 a 20% dos casos que me procuram na clínica não tem indicação cirúrgica. Essa é a média de uma clínica saudável. Quando eu falo para uma paciente que ela não deve operar é porque ela não tem uma indicação cirúrgica ou não vai ter benefício a mais com aquela cirurgia. Às vezes, o nível de expectativa e de ansiedade dela está acima do que a cirurgia pode entregar.
HB – A ansiedade é o mal número um da humanidade?
MA – Ela afeta o físico e o emocional e é causa de uma série de doenças e transtornos sociais. Quer queira ou não, essa comparação imediata e irreal das mídias sociais aumentou muito a ansiedade, principalmente entre os jovens. E um dos papéis que eu tenho como educador, porque me considero, como médico, um educador das minhas pacientes, principalmente das mais jovens, é tirar a autocobrança excessiva em cima delas.
HB – Por outro lado, quando existe a indicação cirúrgica, quais os resultados de fato em relação à melhora da vida daquele paciente?
MA – Existe um trabalho feito pela Unifesp que mostra que a melhora da autoestima proporcionada por um procedimento estético é curativa para vários problemas psicológicos, como depressão. A paciente começa a gostar mais dela, a cuidar mais do próprio corpo. Existe uma outra pesquisa que revela que empresários ficam mais produtivos no trabalho porque ficam mais autoconfiantes depois da cirurgia. Para o bem-estar geral, físico e emocional não podem ser dissociados e eu ainda acrescentaria a parte espiritual nessa equação. Eles precisam estar equilibrados, é o que nos move para a frente.
HB – Ou seja, não é uma mera questão de vaidade ou de modelos impostos de beleza.
MA – Esse nunca foi o objetivo da cirurgia plástica que, aliás, poucos sabem, nasceu do pós-guerra. Quando os primeiros cirurgiões plásticos surgiram, o primeiro intuito não era apenas reparar os soldados mutilados, mas reintegrá-los à sociedade, para que voltassem a ter uma vida social normal. Na verdade, o sentimento de pertencimento fala muito alto. Mas a cirurgia plástica tem que respeitar os valores culturais e de etnia também. Uma pessoa que vive nos Estados Unidos é diferente da que vive no Brasil, na França ou nos países árabes. A universalização da beleza é perigosa e a cirurgia não pode ser igual para todos. Tem que ser feita respeitando os padrões culturais. Vou te dar um exemplo prático. O Brasil é um país quente, em que as pacientes têm uma pele miscigenada com melhor colágeno e menos rugas, mas por serem mais morenas, muitas vezes as cicatrizes aparecem mais e a brasileira não aceita bem isso. Já as americanas não se incomodam. O cirurgião de face tem que ter muito mais cuidado para esconder a cicatriz atrás do cabelo porque a cobrança da paciente brasileira é muito maior.
HB – O que é mais importante, o técnico ou a técnica?
MA – Essa é uma pergunta que perdura há anos, discutimos até em congressos científicos. Há cirurgiões de face que têm resultados muito bons com diferentes tipos de técnicas. Mas na minha opinião, a sensibilidade estética e a parte artística ainda faz diferença na plástica, talvez mais do que em outras especialidades. Tem um viés do cirurgião que não pode ser retirado dessa equação. Os considerados melhores cirurgiões plásticos do mundo têm essa facilidade de enxergar a proporção, o que vai ficar bem naquele paciente. Isso faz diferença no resultado, não tenho a menor dúvida disso.
HB – No seu caso, de onde vem essa sensibilidade?
MA – Acho que veio 100% da minha mãe, que era estilista, trabalhava com moda. Meu avô tinha uma tecelagem e ela desenhava os modelos desde muito jovem. Meu interesse pela medicina veio do meu pai, anestesista. Mas todo esse meu interesse por arte, moda, cultura, arquitetura (que sou apaixonado) veio do lado da minha mãe. O modo de enxergar beleza além do que está na sua frente é um dom.
HB – O senhor tem um lado espiritual muito forte também. Isso ajuda na sua prática médica?
MA – Não tenho a menor dúvida disso. Sou mineiro, de Uberaba, terra de Chico Xavier, e sempre fui muito influenciado pelos ensinamentos dele. A porta de sua casa vivia aberta, ele estava sempre pronto a ajudar quem quer que fosse. A medicina exige muita dedicação e muitas vezes comprometo até o tempo com a minha família por conta disso. Mas é uma vocação que eu tenho, não poderia ser diferente.
HB – Que conselho daria para os jovens médicos que estão começando?
MA – Sempre recomendo que escolham um ideal de profissional, não se trata de um herói, mas de um exemplo para você. Eu tinha dois exemplos muito fortes na minha vida que era o doutor Adib Jatene, cirurgião cardíaco, e o doutor Ivo Pitanguy. Meu sonho em cirurgia geral era trabalhar com um desses dois médicos, sem mesmo conhecê-los. Acho que isso me motivava muito. Quando decidi pela cirurgia plástica tive a felicidade de entrar na escola do professor Pitanguy, depois virar assistente na clínica dele, no Rio de Janeiro. Era um processo de seleção difícil, com médicos do mundo inteiro, para fazer o curso. Ao final, ele escolhia dois ou três para trabalharem com ele, e eu fui um desses escolhidos. O convívio com ele me inspirou muito também, ele era um apaixonado por arte, cultura e filosofia, assim como eu. São áreas que têm muito em comum para entender o desejo do paciente de cirurgia plástica. Decifrar a parte humana é um componente essencial da plástica.
HB – O senhor está montando um centro médico que irá funcionar no Rosewood. Pode nos antecipar o que é esse projeto?
MA – Será uma espécie de instituto de novas terapias e pesquisas voltadas ao envelhecimento, inclusive do cérebro. Lá, vamos fazer tudo o que for não cirúrgico, estudos de pele, tratamentos personalizados e, além disso, vamos fazer todo o preparo para que, quando o estudo de células estiver regulamentado pelo FDA e pela Anvisa, possa ser imediatamente usado na prática clínica. Estamos nos preparando para o futuro da medicina, que está logo ali.